
Um
saco de arroz

Michiko
descalçou os chinelos em frente à
porta. Com o dedo grande do pé ela os
empurrou ordeiramente ao lado dos chinelos de
seus irmãos e da mãe. Não
se usavam calçados no interior desse
lar japonês, no Havaí.
Michiko
entrou em casa quietamente. Sobre a mesa da
cozinha, depôs os livros escolares que
acabara de adquirir na livraria.
__
As aulas começam amanhã! __ disse
alegremente, sorrindo para a mãe.
__
Sempre fico contente quando as aulas recomeçam.
A
mãe, uma japonesa que estampava doçura
na face, sentou-se à máquina de
costura. As peças de um acolchoado foram
colocadas na máquina a fim de serem costuradas.
O acolchoado seria para a cama de Michiko, e
ela havia tido o privilégio de escolher
o material e as cores. Mas a Sra. Kimura não
estava costurando. Suas mãos estavam
cruzadas sobre o colo. Ela estava sentada à
máquina, olhando pela janela.
__
Mamãe __ perguntou Michiko. __ O que
é que há? A Senhora está
preocupada?
A
mãe voltou os olhos conturbados para
a filha.
_
Sim, filha __ respondeu ela com um suspiro.
__Estou preocupada. Não gosto de afligi-la,
mas creio que terei de fazê-lo desta vez.
__
É sobre o aluguel? __ perguntou Michiko.
__ Não temos dinheiro suficiente para
o aluguel?
__
Não é o aluguel desta vez __ respondeu
a mãe. __ O aluguel já foi pago.
O que não temos é dinheiro para
comprar alimento. Não temos mais arroz,
e precisamos também de batatas-doces
e legumes. Na verdade, as prateleiras da cozinha
estão praticamente vazias.
__
Quando chegará o próximo cheque?
__
Só na semana que vem.
Mãe
e filha permaneceram pensativas e em silêncio
por alguns minutos.
__
Michiko __ disse a mãe. quebrando finalmente
o silêncio. __ Você terá
de me dar o dinheiro do dízimo para comprar
alimentos.
__
Oh, não, mamãe. Por favor! Não
podemos gastar o dízimo. É dinheiro
de Deus. A Senhora me pede para escondê-lo
justamente para não sermos tentados a
gastá-lo.
__
Mas desta vez é diferente, Michiko. Estamos
em real necessidade. Seus irmãozinhos
ficarão com fome se não comprarmos
alimento. Creio que não há problema,
pois vou repor o dinheiro assim que receber
o próximo cheque.
Mas
quantas vezes a senhora me disse que não
devemos tocar no dinheiro do dízimo,
não importa o que aconteça? __
argumentou Michiko.
__
Sim, é verdade __ respondeu a Sra. Kimura
com um suspiro. __ Mas o que faremos para conseguir
alimento, está acima de minha compreensão.
Michiko
foi para o quarto e fechou a porta. Então
retirou de sua estante um pequeno cofre envernizado.
Apalpou por baixo de um calendário na
parede, e retirou uma pequena chave pendurada
num prego oculto ali. Daí, abriu o cofre.
Mexendo por entre alguns lenços e presilhas
de cabelo, ela apanhou o envelope do dízimo
e contou o dinheiro. Havia dinheiro suficiente
para comprar um saco de arroz de 12 quilos,
e mais algumas batatas-doces e legumes.
Em
seguida, porém, ela recolocou o dinheiro
dentro do envelope, e este dentro do cofre,
chaveando-o. Então ajoelhou-se ao lado
da cama e orou: "Querido Pai, ajuda-nos,
para que não precisemos usar o dinheiro
do dízimo.
Mais
tarde, os três irmãozinhos entraram
ruidosamente em casa, e gritaram:
__
O jantar já está pronto?
__
Ainda não __ respondeu a mãe calmamente.
Michiko, porém, notou sua ansiedade,
estampada na face.
__
Michiko __ começou a mãe interrompendo-se.
__
Sim, mamãe __ respondeu Michiko, esperando
que ela dissesse algo.
__
Receio que não teremos escolha. Devolverei
o dízimo, você sabe. Certamente
Deus não deseja ver criancinhas famintas.
Michiko
compreendeu que a mãe estava falando
novamente sobre o dinheiro do dízimo.
__
Mas mamãe, eu já orei sobre isso.
Creio que haverá um meio de não
precisarmos usar o dízimo.
__
Já orei também __ respondeu a
mãe. __ Venha, você e eu oraremos
juntas, e pediram ao Pai Celestial que suprisse
suas necessidades.
Então,
a Sra. Kimura voltou para a máquina de
costura, e Michiko começou a arrumar
seus cadernos e objetos escolares. Os três
garotinhos estavam brincando com um filhote
de cachorro na cozinha, e fazendo muito barulho.
Lá fora, o sol se havia posto, e a noite
vinha chegando.
Um
do meninos veio até a máquina
de costura e perguntou:
__
Quando é que vamos jantar, mamãe?
Os
outros dois deixaram de brincar com o filhote
e aproximaram-se também.
__
Quando é que vamos jantar? __ repetiram
eles.
__
Continuem brincando, e eu vou tratar disso __
respondeu a mãe.
Quando
eles voltaram aos seus brinquedos, a mãe
ergueu-se da máquina a fim de tomar uma
decisão.
__
Michiko __ disse ela. __ Deus é muito
bondoso. Ele certamente não deseja ver
criancinhas passando fome...
__
Por favor, mamãe. Vamos esperar um pouco
mais. Deus vai nos ajudar.
A
Sra. Kimura ficou envergonhada por ver que a
filha tinha mais fé do que ela, mas concordou.
__
Por enquanto ninguém está sofrendo
de fome __ respondera Michiko ao ver os irmãozinhos
brincando outra vez. __ Deus nos ajudará
quando realmente necessitarmos.
Nisso,
ouviram uma suave batida na porta, e a Sra Kimura
levantou-se para atender. Os três garotinhos
abandonaram sua brincadeiras, e correram pa
ra acompanhá-la. À porta estava
um homem com a esposa. Eram amigos que moravam
do outro lado da cidade.
__
Tivemos a impressão de que vocês
poderiam usar estas coisas __ disse o homem,
Eles haviam trazido duas caixas de alimentos,
e um saco de arroz de 12 quilos.
Enquanto
a Sra. Kimura lhes agradecia, um dos meninos
disse a seus irmãos:
__
Ah! é por isso que a mamãe ainda
não fez o jantar. Ela estava esperando
que viessem entregar as compras!
Depois
que os amigos foram embora, e o arroz estava
sendo cozido, a Sra. Kimura olhou significamente
para Michiko, dizendo:
__Jamais
serei tentada outra vez a usar o dinheiro do
dízimo, pois Deus realmente cuida de
nós!
__
Não tivemos de passar fome __ sorriu
Michiko.
A
Sra. Kimura colocou o braço em volta
da filha
__
Obrigada por ter mais fé do que eu. Deus
nos abençoou a todos por causa da sua
fidelidade no dízimo.
Autor:
Irene Butler Engelbert