A polêmica mistura da fé cristã com competições violentas

Violência ou esporte? Prática sã ou prática pagã? Ferramenta sadia ou não para a evangelização?

Reportagem publicada na revista Geração JC nº 87:

Anderson Silva, José Aldo, Júnior Cigano, os irmãos Nogueira (Rodrigo Minotauro e Rogério Minotouro) são nomes de brasileiros que ganham cada vez mais notoriedade através do MMA, especialmente após o UFC RIO – primeira edição do evento no país. Dentre os maiores lutadores do evento, está o declaradamente cristão Vítor Belfort, que, após as lutas, costuma agradecer a Deus por suas vitórias e tem escrito em seu calção o nome de Jesus. Quando questionado sobre o possível conflito entre profissão e religião, Belfort explica que o que faz no octógono “não é participar de uma briga e, sim, de uma competição esportiva”. Neste primeiro UFC no Brasil, o estreante Erik Silva, que tem como um de seus apoiadores o senador evangélico Magno Malta, seguiu o exemplo do veterano e dividiu o espaço do patrocinador no calção com o nome de Jesus. Nos Estados Unidos, há até, por exemplo, um pastor que chama atenção por se dedicar publicamente a pregar e orar pelos lutadores. Brian Beals, pastor da Igreja de Canyon Creekaté, recebeu o apelido de “Pastor da Luta”, por causa dessa afinidade, além de sua amizade com Jeremy Stephens e Rogers Demico, do UFC. Há aproximadamente sete anos, o pastor Beals iniciou sua congregação em Everett, Estado de Washington e, por ser um grande admirador do MMA, começou a pregar a fé em Cristo aos lutadores. Hoje, existem mais de 20 atletas desta modalidade entre o seu rebanho de cerca de mil membros.

Quando questionado sobre a polêmica em sua atuação, Beals afirma: “Muitos cristãos são contra todas as coisas que eles não entendem. A maioria dos lutadores são homens bons, não estão brigando em bares, são atletas. Uma igreja saudável tem interesses socioculturais diversificados, logo há espaço também para esse profissional”. E completa: “Os missionários em geral dedicam-se a grupos de pessoas que não são alcançados. Vejo-me como um missionário para a comunidade de MMA. Deus nos deu uma estratégia para tentar chegar a essa comunidade específica”, explicou Beals ao portal de notícias internacional The Christian Post.

Porém, diferentemente do que diz Beals, a verdade é que a maioria dos cristãos não é contra o MMA “por não o entenderem”, mas justamente por saberem, à luz da Bíblia, que não convém a um cristão praticar, muito menos a título de competição esportiva, lutas violentas. Além do que não é sadio para um crente ter prazer em ver uma pessoa esmurrando a outra, que é a razão de as pessoas se interessarem em assistir a esses tipos de evento. Não é um entretenimento cristão. Com isso, não estamos questionando aqui a sinceridade da fé de Vitor Belfort e outros lutadores que professam a sua fé em Jesus, mas destacando a clara impropriedade entre a fé que professam e esse tipo de atividade. Lembremo-nos que muitos crentes sinceros cometem erros por falta de orientação correta à luz da Bíblia e que tudo o que fazemos deve ser passado pelo crivo da Palavra de Deus. O fato de alguém dizer que é de Jesus não garante que tudo o que faz é correto e bíblico.

“Sei que é difícil para um lutador como Vítor Belfort sair do meio em que vive. É a sua profissão. Há muita coisa em jogo. E ele demonstra ser uma pessoa sincera, equilibrada. Aliás, já enviei algumas mensagens a ele pelo Twitter. Se não me batesse, diria a ele pessoalmente por que o MMA não combina com a vida cristã (risos)”, brinca o pastor Ciro Zibordi.

Aqui, no Brasil, costuma-se usar os lutadores dessas competições e a própria atividade específica deles para alcançar pessoas a Cristo. É o caso de uma denominação que chegou a ser noticiada no canal National Geographic por montar um ringue dentro da igreja e promover a luta em campeonatos como forma de evangelismo. Segundo os organizadores de tal evento, por meio dele 60 jovens já haviam entregado suas vidas a Jesus. Mas, pergunta-se: Que tipo de conversões estão sendo geradas por esse tipo de trabalho? É correto uma pessoa usar essa prática para levar pessoas a Cristo? Que mensagem cristã esse tipo de luta passa para as pessoas? O que dizer de pessoas que acham legal ser cristãs porque suas referências de cristãos são gente que “arrebenta” bem no ringue? É esse tipo de atividade que deve levar as pessoas a Cristo? Ora, os fins não justificam os meios. Não basta que meus objetivos sejam moralmente corretos; os meios que utilizo para chegar a eles também devem ser moralmente corretos.

Não há problema de um crente treinar uma arte marcial como treinamento militar ou de forma particular para sua legítima defesa, mas há, sim, problemas com a atitude de treinar uma arte marcial para participar de competições onde o objetivo é derrotar alguém desferindo-lhe socos e pernadas em um ringue, e com golpes cada vez mais violentos, para delírio da plateia. Isso não convém a um cristão, nem é uma atividade que desperta sentimentos nobres nas pessoas. Só satisfaz a alma pecaminosa. É uma prática pagã. Foge do espírito do cristianismo.

Em Gálatas 5.19-21, estão listadas entre as obras da carne “porfia”, “emulação” e “peleja” e “coisas semelhantes a estas”. Há quem diga que nem sempre quem entra no ringue para competir o faz tendo no coração essas coisas (o que pode até ser possível no início, mas é quase impossível no calor do embate), mas ainda que isso fosse uma realidade, há de se considerar que estamos falando de violência consentida, onde um dos competidores sairá arrebentado ou os dois sairão arrebentados, o que não é nada sadio. Além do que, é no mínimo estranho que duas pessoas entrem em um ringue, e ainda mais em uma competição, para desferir socos e pontapés no outro, deixando o seu próximo arrebentado, e o façam “com o coração cheio de amor” ou sem uma gota de maldade ou violência no coração. Uma coisa é autocontrole para não se desestabilizar emocionalmente no ringue ou não matar o oponente, outra coisa é dizer que se vai para um confronto físico violento “com amor no coração”.

Outro detalhe é que a Bíblia também diz que “quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus” (1Co 10.31). Pergunta-se: É um esporte sadio arrebentar o outro? Esse tipo de esporte glorifica a Deus? Em que Deus pode ser glorificado nessa prática? E a glorificação a Ele é estimulada de que forma nos corações de quem assiste esse tipo de esporte?
“Vale tudo” na igreja?

O pastor Ciro Zibordi frisa que a violência nas lutas não pode ser ignorada. Quando questionado sobre o uso da estratégia de usar o esporte como ferramenta para evangelização, o teólogo explica que não concorda com essa combinação porque “o culto que oferecemos é para Deus, e não para os homens”. E acrescenta: “Se tomarmos como base o que as pessoas gostam, as atrairemos para as igrejas, mas as afastaremos da verdade. O Evangelho não deve ser comunicado da maneira como as pessoas desejam ouvi-lo, e sim da forma como precisam ouvi-lo”, declara, deixando ainda um alerta: “Não quero ser estraga-prazeres, pois sei dessa onda de MMA no Brasil, mas os esportes verdadeiros estimulam o espírito de equipe e não têm como objetivo principal bater num competidor. O futebol, por exemplo, costuma ser praticado no campinho perto de casa, na quadra da escola etc. Já pensou se o pessoal resolver praticar MMA como se fosse um esporte em todos os bairros?”, pondera pastor Ciro.

Como afirma a Palavra de Deus, “todas as coisas me são lícitas, mas nem todas me convém” (1Co 6.12).

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- | 2013-03-23 09:13:40





Opinião

O evangelho não é uma doutrina de língua, mas de vida. [João Calvino]