Entrevista com o missionário e tradutor Stan Pries, que trabalhou por muitos anos com o povo Gavião, MA, e atualmente continua a tradução do N.T. para a língua Gavião.
A Revista Confins da Terra tem o prazer de entrevistar o missionário e tradutor Stan Pries, que trabalhou por muitos anos com o povo Gavião, MA, e atualmente continua a tradução do N.T. para a língua Gavião.
Confins da Terra - Irmão Stan, é um privilégio poder ouvi-lo e certamente será muito bom para nossos leitores saber um pouco sobre este tão importante trabalho que você desempenha. Há quantos anos o irmão trabalha neste projeto?
Stan Pries - Com outros missionários, começamos o trabalho entre os indígenas em dezembro de 1962. Tive que aprender o idioma, fazer um alfabeto e analisar a gramática. O trabalho da tradução começou em dezembro de 1970.
C.T - Em termos de capacitação, quando é que o missionário está apto para iniciar a tradução bíblica?
S.P. - Isto depende da dificuldade do idioma. Se o idioma for relativamente fácil, a tradução pode começar logo nos primeiros anos. Com idiomas mais difíceis, leva mais tempo.
C.T - O idioma indígena é difícil de se aprender?
S.P. - Há idiomas relativamente fáceis de aprender, como, por exemplo, o Galibi do Amapá. O idioma deles é uma mistura de língua indígena com francês, e é mais fácil. Há outros idiomas, como o Krikati-Gavião, que são bem difíceis. Muito depende da língua materna de quem está aprendendo. Para quem fala português é mais fácil aprender espanhol ou francês. O idioma indígena é difícil porque é muito diferente do nosso. No Krikati-Gavião, por exemplo, os números funcionam como verbos. “Wa æhjte catõc to æhjpehxcroht ne æhjte hapruu.” “Eu doisei a espingarda e comprei.” (“Eu comprei duas espingardas.”) Numa língua indígena, geralmente a gramática é bem diferente e há sons diferentes que terão de ser dominados.
C.T - Qual é a participação do falante nativo neste trabalho?
S.P. - Depende muito do falante nativo. Muitas vezes o missionário não encontra nada escrito no idioma indígena e terá que aprendê-lo através de conversas com os nativos. É necessário cultivar uma boa amizade com eles, e eles, sentindo que o missionário é sincero no seu desejo de ajudá-los, vão servir como instrutores, fornecendo também informações sobre a cultura, que é parte inseparável do idioma. E sem a ajuda do falante nativo, na maioria dos casos, o tradutor não poderá fazer uma tradução aceitável.
C.T - Quais materiais o irmão usa para realizar a tradução, além do seu conhecimento da língua e cultura alvos?
S.P. - Há necessidade de materiais para estudar a exegese das Escrituras. Há necessidade de um curso fonético para decifrar os sons da língua indígena, um curso lingüístico para analisar a gramática e um curso antropológico para entender o povo indígena.
C.T - Há muita diferença na forma de expressar verdades em uma cultura diferente da cultura dos judeus? O irmão tem algum exemplo de contextualização que lhe chamou a atenção?
S.P. - 1 Tim. 3:9 “conservando o mistério da fé com a consciência limpa” foi muito difícil traduzir. Não havia uma palavra para “mistério” nem “fé”, nem “consciência,” muito menos “consciência limpa.” A solução foi: “pegar firme a complexa/fascinante palavra de Jesus, sem fazer nada que traga vergonha para si.” Mas quero acrescentar que em muitas maneiras a vida do indígena se aproxima bem mais da cultura judaica: a vida cotidiana simples e pobre e, às vezes, violenta.
C.T - Como saber se a tradução está boa? Há um processo de avaliação? Quem dá o aval final?
S.P. - É recomendável que vários falantes nativos leiam todo o texto e sugiram correções. Se estes puderem ler, é bom, e se puderem fazer as correções por si mesmos, é melhor. Cópias das Escrituras devem ser distribuídas, e deverão ser usadas em cultos por um bom tempo antes da publicação. Os nativos devem ser encorajados a oferecer correções e sugestões, e dizer quando não entendem algum trecho. Também é necessário que toda a tradução seja verificada por um consultor. Para isto, é necessário uma retro-versão para português ou outra língua que o consultor entende. O sábio consultor, fazendo perguntas ao tradutor e ao falante nativo, poderá sentir se a tradução está sendo entendida pelo povo. E é o tradutor que dá o aval final.
C.T - Qual tem sido a reação do povo ao compreender as verdades da palavra de Deus em seu próprio idioma? Pode ilustrar, se desejar.
S.P. - Vários deles têm expressado a alegria que sentem ao saber que Deus os perdoou e que cuida deles. Um jovem estudante me disse que, ao passar um tempo fora da aldeia, sentia-se às vezes desanimado, mas quando lia as Escrituras não sentia mais a tristeza. Há um índio com câncer, sendo tratado no hospital. A filha dele lê as Escrituras para ele todos os dias, e eles fazem oração juntos.
C.T - Além de textos bíblicos, o irmão traduziu outros materiais para o povo?
S.P. - Muito pouco, porém, traduzi a estória da galinha que fez pão para os pintinhos e recusava repartir com os outros que recusaram ajudá-la. Também escrevi a estória da onça, veado e macaco, e do boneco de piche. Esta última é uma estória que eles contam como se fosse da origem dos bisavós deles. Uma colega missionária tem preparado um livrinho sobre a higiene.
C.T - Deseja dar uma palavra aos leitores da revista?
S.P. - Só posso dizer que esta obra não depende só de nós, nem dos nativos. Depende da participação das igrejas e de indivíduos que sentem o mesmo zelo e fervor pela palavra de Deus e pela obra dele. Dependemos de vocês e das suas orações constantes. Assim, poderemos levar até o fim a obra que Deus nos deu.
C.T - Parabéns pelo seu trabalho e que Deus seja louvado! Agradecemos por sua participação que muito enriquece o conteúdo da nossa revista. Que Deus abençoe seu ministério de forma muito especial.
Extraído da revista Confins da terra, nº 122, julho a setembro - www.mntb.org.br | 2005-11-02 12:20:45