A morte de meu marido trouxe mudanças que jamais imaginei.
Faço parte da estatística que mais cresce nos Estados Unidos. Somos alvo de interesse dos profissionais das novas construções imobiliárias e arquitetos pesquisam sobre nossos desejos. Somos um grupo lucrativo para produtos de beleza e saúde e pessoas interessadas em nossas finanças nos convidam para jantar. Não é à toa que o mercado está correndo atrás deste seleto grupo: 800 mil pessoas se juntam a nós todos os anos. Quem somos? Somos os invisíveis no meio de vocês: viúvos e viúvas.
Estudos mostram que os viúvos perdem 75% da sua rede de amigos quando perdem o cônjuge; 60% de nós passam por sérios problemas de saúde no primeiro ano que segue a perda do cônjuge; 1/3 dos viúvos tem os critérios para o diagnóstico clínico de depressão no primeiro mês após a perda da esposa e a metade das viúvas permanece deprimida um ano após a perda. A maioria passa por significativo declínio financeiro. Um pastor nos descreveu como o grupo muda da primeira fila da igreja para o fundo e pouco tempo depois para fora do templo. Deixamos de servir e cantar no coral e adentramos a solitude e a tristeza silenciosa, para então procurar um lugar do qual fazer parte.
Com a ida de meu marido Bob para o céu, meu dia-a-dia mudou: meu calendário, minha conta bancária, os produtos na minha geladeira e até o olhar de meus filhos quando chegam em casa nas datas festivas. O espaço onde moro tornou-se mais compacto. Raramente uso maquiagem. Agora sei distinguir o cheiro do óleo do carro enquanto aguardo o óleo ser trocado. Outras mudanças são muito pessoais para serem compartilhadas. A solidão e a solitude não descrevem de forma suficiente o vazio que se torna a vida de um viúvo.
Se eu tivesse conhecimento destes fatos cinco anos atrás, eu diria: “Isso não acontece! Na comunidade cristã, apoiamos uns aos outros!” Mas ao olhar para minhas próprias reações às mulheres que ficaram viúvas, percebi que eu compreendia muito pouco, tinha tão pouca empatia e raramente caminhava com elas.
Atualmente, dividindo nossas experiências, temos um vínculo incrivelmente forte que nos conecta umas às outras. Descobrimos que somos mais vulneráveis do que em qualquer outra época da vida.
Aprendi isso quando caminhava pela cidade durante uma tarde, com o vento em meu rosto, e eu vestia um agasalho preto com um capuz. No caminho para a estação de trem, passei por apenas duas pessoas enquanto eu corria em direção às águas escuras do rio Chicago. “Eu nunca tinha feito isto em minha vida”, pensei. Viúvas experienciam tantas coisas pela primeira vez, que hoje já parei de contá-las.
A vida com Bob
Aos 19 anos de idade, embarquei em uma jornada com Bob que durou 41 anos, 2 meses e 21 dias. Começou no dia que iniciei minha vida universitária. “Posso caminhar com você?”, os olhos castanhos de um rapaz olhavam para os meus. Era uma tarde quente de setembro no campus da Universidade de Indiana. O ensaio do grupo vocal havia acabado e o barítono solista estava perguntando se podia andar comigo. Dezesseis meses depois, esta moça de 19 anos que nunca tinha ido a Chicago e nem ouvido falar no Instituto Bíblico Moody, casava-se com um homem que sabia que o chamado de sua vida era servir a Deus através do Moody Broadcasting (trabalhando com comunicação). Formamos-nos juntos na universidade e mudamos da fazenda para a cidade, tivemos filhos, adotamos filhos, cantamos em corais de igreja, servimos por meio da hospitalidade e viajamos para 40 países diferentes.
Tornei-me educadora, professora e conselheira em uma escola pública: fui uma mãe que trabalhou fora. Bob seguiu seu chamado, expandiu a rede do Moody para 36 estações. Negociou com a Comissão Federal de Comunicações e obteve sucesso, começando um ministério de satélites que serviu 600 emissoras afiliadas. Cuidamos de nossos filhos até a vida adulta, o que foi sem dúvida o maior desafio de nosso casamento. Alegramos-nos com os casamentos de três de nossos filhos, inclusive, duas festas foram realizadas no jardim de nossa casa. Nenhum sorriso foi maior do que o meu e o de meu marido ao ver nossos três lindos netos afro-americanos crescerem.
Em uma fase extremamente produtiva de nossa vida, enquanto Bob servia como vice-presidente do Moody Broadcasting, tesoureiro do National Religious Broadcasters e membro do grupo de comunicação HCJB, ele sofreu uma queda. A dor e a inconveniência de um ombro deslocado foi apenas o início de nossa jornada para médicos e conviver com doenças, ao mesmo tempo em que buscávamos em nossa teologia os recursos para enfrentar a realidade: Esclerose Amiotrófica Lateral, uma doença fatal, sem tratamento, que havia tomado conta do corpo de Bob.
Menos de três anos após a queda, Bob adentrou o Reino do Céu tranqüilamente, enquanto eu abria mão de sua companhia relutantemente. Nossa unidade estava agora rasgada em duas partes. Minha melhor parte havia partido e o vazio que esta ferida criara fazia com que todos os meus nervos sentissem e gritassem, apesar de ouvir dizer que pessoas nessa situação sentiam-se paralisadas.
O cuidado especial de Deus
A história de cada viuvez é diferente. Todos compartilhamos a compreensão de que é uma perda que vai além de qualquer descrição. Observar o rapaz gentilmente colocar a grama sobre o túmulo de meu marido, afastou-me para sempre da vida que um dia tive.
Os viúvos ganham nova perspectiva das Escrituras. Em 2Coríntios 1.3-4, lembro-me de que ninguém pode confortar um viúvo como outro viúvo. Ficamos profundamente comovidas quando vemos outra mulher passar por esta situação e queremos confortá-la em sua dor. Desesperadamente, estudamos as 103 passagens bíblicas que se referem à viuvez. E descobrimos que não somos invisíveis para Deus. Com gratidão, descobrimos que não somos apenas amados de Deus, mas que ele percebe como os outros nos tratam (Tiago 1.27). Isto é reconfortante e emocionante. Viúvas, órfãos, prisioneiros: aqueles que não têm voz, Deus escolheu falar conosco.
Ele diz que nossas necessidades podem ser supridas pela igreja caso necessário (Deuteronômio 14.29; 26.12; Atos 6.1-4). Ele ensina que em nossa vulnerabilidade, temos direitos legais (Isaías 1.17). Ele fala sobre uma viúva e sua doação sacrificial (Marcos 12.42-44). Ele conta a nossa história em Sua Palavra: a viúva de Sarepta e sua generosidade (1Reis 17.9), a viúva com o azeite, a fé e a obediência (2Reis 4.1). Conforme estudei as Escrituras com o foco na viuvez, os seguintes temas emergiram:
Para viúvos e viúvas: Sejam generosos apesar de suas posses, nada é realmente nosso, tudo pertence a Deus. Sejam completos pela fé: você torna-se completo pela fé quando enxerga o quanto é especial para seu Criador, seu novo Cônjuge.
Para a igreja: Sua igreja é significativa à medida que está em sintonia com as prioridades de Deus e não pelas estatísticas que alcança. O caráter de seus líderes não é medido por sua popularidade ou poder e sim pela atenção e cuidado com aqueles que não têm voz nem vez.
Cuidar de viúvas e viúvos pode ser difícil por diversas razões. As igrejas têm tamanhos e recursos diferentes e as experiências de viuvez são variadas. Não há modelo de serviço para todos, mas a igreja primitiva fez dessa questão um cuidado prioritário, mostrando aos líderes da igreja a importância do cuidado com as viúvas (Atos 6.1-7). Recomendo que os grupos de liderança relacionados ao ministério com viúvos tenham um membro que seja viúvo. Sem este líder, as decisões da igreja podem não abordar a questão de maneira correta. Enquanto as necessidades financeiras e a ajuda nos afazeres domésticos são questões comuns, a necessidade de conexão é primordial. Muitas vezes as conexões pessoais na igreja são quebradas quando alguém perde seu cônjuge. Este é o período mais dolorido, solitário e vulnerável da jornada, um período em que a viúva precisa de amigos por perto, parte do corpo de Cristo.
Fui transformada
Como viúva, aprendi que todos são transformados. E muito desta mudança é para melhor. Tornamos-nos cheios de fé, pois não conseguimos enfrentar o dia seguinte de outra maneira. Tornamo-nos fortes, pois não temos escolha. Somos compassivos, pois nosso coração foi quebrantado. Conforme ouço histórias de viúvas, fico perplexa com o que aprenderam e realizaram.
Um dos pontos de transformação para mim ocorreu na África. Seguindo os passos de Bob, viajei para um lugar que não havia visitado antes. Queria conectar-me com cristãos que Bob havia auxiliado. Antes de minha viagem, recebi um e-mail com um convite para falar em um grupo de viúvas da África. Claro que eu falaria. Seria uma forma de servir, assim como Bob fez. O resultado: falei para sete grupos de viúvas, variando de 20 a 200 ouvintes em cada grupo. Em uma igreja durante o culto, os homens eram os ouvintes atentos, fazendo anotações. Falei em uma conferência de cinco igrejas e entreguei a mensagem com cinco pastores sentados em cadeiras imponentes próximos a mim. Após ouvir o que compartilhei, um pastor levantou-se e disse: “Isto é bom!”
Só posso dizer, simplesmente, que fui transformada. Lembro-me de Bob me encorajando a aceitar meu primeiro convite para falar após a publicação de meu primeiro livro. Eu hesitei. Ele disse: “Querida, estas pessoas querem conhecer quem está por trás deste livro!” Relutante, aceitei. Desta vez foi diferente. Outra mulher surgiu em Ouagadougou, em Burkina Faso. Com minha Bíblia aberta diante de famintos aprendizes, estava animada e aproveitei a oportunidade.
O segundo ponto de transformação foi em uma viagem à República Dominicana. Estava descansando durante uma semana, após os quatro anos mais difíceis da minha vida. Foi minha primeira viagem sozinha. Enquanto eu esperava descansar e ler, fui surpreendida por mim mesma ao me inscrever em diversas atividades: mergulho, equitação e navegação. Fui a única mulher sozinha a se inscrever para as aulas de navegação, e meu instrutor olhava com pouco entusiasmo enquanto me dava as orientações. Meu entusiasmo na atividade logo se tornou uma frustração: “Você não consegue aprender isto. Vamos dar uma volta e depois retornamos.”
Eu pensei: “Você está errado!” Em minha quarta aula (depois de pedir a troca de instrutores), meu novo instrutor disse às palavras que eu queria ouvir: “Agora você pode ir sem a minha ajuda.” Eu estava sozinha.
Não há palavras para descrever o que é estar sozinha em uma embarcação, sentindo o vento em minhas costas, navegando em direção ao Atlântico. “Querido, você pode me ver?”, gritei para o céu. Senti como se ele respondesse: “Você fará isso e muito mais, querida, não estou surpreso!”
Ao retornar para casa, após descrever minha aventura para a família, meu neto perguntou: “Vovó, você não teve medo?” “Não”, foi minha resposta. “Se eu fracassasse e afundasse, eu encontraria Deus e o vovô. Se eu fosse bem-sucedida, teria navegado sozinha pelo oceano. A vovó não tem nada a perder.”
Sim, nós mudamos. Somos transformados. Viúvas acreditam em Romanos 8.28 com nova tenacidade. Temos novos e relevantes dons para oferecer, não apesar de nossas perdas, mas por causa delas. Somos corajosas, pois já encaramos a morte de parte de nós. Muitas vezes rimos de coisas que pessoas temem e contamos as bênçãos nos eventos mais simples do dia-a-dia.
Invisíveis? Vamos mudar esta realidade. Acolher as viúvas reflete o coração de Deus.